Agenda de shows | JUNHO

Em junho, são 14 shows Brasil afora, com direito a uma paradinha em Portugal.

A foto que ilustra o calendário junino é do Rafael Michalawski, jornalista e sócio da Navegar. Ela retrata a praia Muzemberg, na Cidade do Cabo, África do Sul.

A arte é da Marina Malheiro.

Saiba mais detalhes dos eventos aqui.

coletânea: Ana Cláudia Silva

De que é feito o artista? Que tipo de inspirações, situações e referências um sujeito carrega em si a ponto de fazer disso uma consequência chamada arte? Eu sempre fiquei pensando sobre que leituras, que filmes, que cidades, que pessoas estavam por trás da personalidade artística de um artista. E quais ele foi guardando com o tempo.

Aquele filme que… aquele disco que… aquele lugar que. A sua coletânea.

Vem daí a ideia de criar uma seção, que começou lá no querido Azoofa e agora migra aqui pro blog da Navegar, em que possamos conhecer melhor o universo de referências e influências que circulam pela alma de que faz arte.

A convidada da vez é a fotógrafa portuguesa Ana Cláudia Silva, cujo fabuloso trabalho com as imagens volta e meia respinga aqui na Navegar – são obras suas alguns dos retratos de Felipe Antunes que utilizamos na divulgação do disco “Lâmina” e, recentemente, a foto que ilustra a nossa agenda do mês de maio.

[1] Um livro que tenha mudado sua forma de olhar o mundo

Ana Cláudia Silva: Os livros de José Saramago fazem com que qualquer um olhe para o mundo em várias perspectivas. Li “As Intermitências da Morte” numa altura em que ‘vi’ a morte pelo olhar dos outros. Este livro coloca diversas questões que nos faz imaginar como seria a sociedade actual se fossemos todos imortais e se alguns conceitos básicos existiriam. Um texto utópico, mas reflectivo.

[2] Uma imagem que tenha te deixado hipnotizado

Ana Cláudia Silva: A fotografia que Narelle Autio tirou a Trent Parke, fotógrafo australiano, quando este estava a analisar os seus negativos pendurados numa árvore. Para quem fotografa em película tem um significado especial – aquele olhar, quase primário, num local igualmente primário, sem ter as condições ideais para revelar película… Tudo especial naquela imagem.

[3] Um filme que você indicaria para quem está descrente do ser humano

Ana Cláudia Silva: “Cartas da Guerra” de Ivo Ferreira. Este filme (2016) tem como inspiração / adaptação um livro de António Lobo Antunes. Trata-se de uma troca de cartas de amor entre um casal separado pela Guerra Colonial Portuguesa (1961-1974). Neste mundo actual, cheio de tensão e guerras por todo o lado, este filme é uma lufada de ar fresco: manter viva a fé no amor, esteja ele onde for, e poder falar-se livremente de um assunto delicado daquele período dramático e triste da história de Portugal.

[4] Um disco novo que todo mundo deveria ouvir

Ana Cláudia Silva: O disco homónimo de Luís Severo. Está cheio de composições lindíssimas e que enchem o coração com tanta beleza. Fala dos medos, das realidades diárias, e claro está, de amor (e também de desamor – igualmente importante). Tudo num excelente bom português que mete inveja ao outro Luís (Camões).

[5] Uma canção que você gostaria de sair cantando na rua agora

Ana Cláudia Silva: Grande hit das rádios nacionais, continua actual e que canto várias vezes ao dia. “Amanhã estou melhor” de Capitão Fausto. Uma letra ousada e com refrão fácil, trata-se daquelas canções inspiradoras. Amanhã ‘tou melhor, mas ontem ‘tive na merda. 🙂

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Para conhecer mais sobre o trabalho da Ana, acesse seu site: Caminhos de Ser Feliz

+ Coletânea: Daniel Medina

coletânea: Daniel Medina

De que é feito o artista? Que tipo de inspirações, situações e referências um sujeito carrega em si a ponto de fazer disso uma consequência chamada arte? Eu sempre fiquei pensando sobre que leituras, que filmes, que cidades, que pessoas estavam por trás da personalidade artística de um músico. E quais ele foi guardando com o tempo.

Aquele filme que… aquele disco que… aquele lugar que. A sua coletânea.

Vem daí a ideia de criar uma seção – que começou lá no querido Azoofa e agora migra aqui pro blog da Navegar – em que possamos conhecer melhor o universo de referências e influências que circulam pela alma de um músico. O convidado da vez é o músico Daniel Medina, artista da casa que lança seu primeiro disco este ano.

[1] Um livro que tenha mudado sua forma de olhar o mundo

Daniel Medina: “Leaves of Grass” (Folhas de Relva) de Walt Whitman, primeira edição de 1855. Um marco divisor na poesia mundial. Inventividade estética e força poética. Um hino de libertação inaugural. Me pergunto como Walt reagiria ao ver seu sonho de “América” transformado nesse grande potência hipócrita e protecionista.

 

[2] Uma imagem que tenha te deixado hipnotizado

Daniel Medina: Chaplin em pele de Carlitos. Ternura e anarquia em um só anti-herói. O salto quântico e generoso de um ser humano transformar-se em outro e, assim, nos devolver a nós mesmos.

 

[3] Um filme que você indicaria para quem está descrente do ser humano

Daniel Medina: “Nós que aqui estamos por vós esperamos” de Marcelo Marzagão. Não sei exatamente se este filme nos leva a crer na espécie, mas com audácia traça um panorama do Sec. XX retratando toda nossa beleza e horror diante da existência. Além da montagem perspicaz de registros históricos a trilha sonora do belga Win Mertens nos faz decolar.

 

[4] Um disco novo que todo mundo deveria ouvir

Daniel Medina: “Eu Entendo a Noite como um Oceano que Banha de Sombras o Mundo de Sol”. É isso mesmo. Esse é um verso de Zé Ramalho e o nome do novo disco do compositor Vitor Colares. Álbum denso e de alto nível poético/musical, tira do mínimo o máximo e diz muito com pouco. A concisão e precisão de elementos, os silêncios e vazios tem seu lugar. De volta à pergunta, penso que “todo mundo” deveria ouvi-lo por fugir do lugar comum de instrumentações e por, apesar de ser um disco de canções, expõe a pesquisa de timbres e texturas: pura artesania.

 

[5] Uma canção que você gostaria de sair cantando na rua agora

Daniel Medina: “Cometa Mambembe” de Carlos Pitta e Edmundo Carôso. Galope certeiro de imagens poética que brotam em cascata com uma liberdade impressionante de versos radiantes. Quem me dera ter composto essa canção!

um disco, outros mares: Glory Hope Mountain | The Acorn

[por Eduardo Lemos]

É curioso como alguns discos entram nas nossas vidas e, às vezes, mais interessante é como eles podem influenciar nosso caminho. No meu caso com “Glory Hope Mountain”, da banda canadense The Acorn, nem uma coisa ou outra soam muito emocionantes se entendidas apenas ao pé da letra. Senão, vejamos: este álbum lançado em 2007 me foi apresentado por um amigo, numa tarde sem sol do ano seguinte, quando ambos decidimos faltar ao estágio pra ficar na minha casa ouvindo música.

Naquelas frutíferas horas entre o meio dia e a entrada da noite, ele me mostrou, além do Acorn, o primeiro disco da Adele – até então, pra mim, uma grande desconhecida – e o primeiro do Ben Folds Five. Mas foi aquele conjunto de canções do quarteto de Otawa que me impressionou. Nos dias seguinte, tudo que fiz foi destrinchar o álbum, escutando-o várias vezes, mostrando pros amigos, filosofando sobre arranjos e letras e pesquisando tudo que era possível sobre a banda e o disco.

O que descobri de mais importante foi: o The Acorn era quase que sumariamente ignorado pela crítica musical do Canadá e de outros países – e segue sendo assim – e o mais surpreendente, Glory Hope Mountain era, na verdade, uma tradução poética para Glória Esperanza Montoya, nome da mãe do vocalista e principal compositor do grupo, Rolf Klausener’s, nascida em Honduras e obrigada, durante a sua juventude, a fugir do país para escapar de um ambiente cheio de abusos e violências. Ainda que a voz de Gloria apareça apenas uma vez durante todo o álbum – na dilacerante “Sister Margaret” -, todas as canções são baseadas em histórias que ela contou a Rolf. Aqui somos, portanto, ouvintes duas vezes – da música e de uma única narrativa.

Apesar de conceitual, Glory Hope Mountain é um disco de canções muito bem resolvidas. É incrível como o grupo conseguiu que a necessária limitação temática não os deixassem esquecer que, em primeiro lugar, está o labor de se fazer canções. O caso de “Oh!, Napoleon“, por exemplo, em que a belíssima melodia é preenchida por uma letra cortante, que claramente remete ao desejo de fuga por parte de Gloria – mas nós também não gostaríamos de fugir?

How’s it feel to disappear?
Like seriously, just disappear
And take a stab from papa’s spear
Getting drunk on rotten air

Ou em “Crooked Legs“, quando ela parece finalmente escapar.

I won’t feel the pull of the coming day
or the compromise of sleep
‘cause I’ve got a fire on the soles of my feet
I’m going as far as these crooked legs take me

E a banda faz isso de maneira notável, utilizando-se de violões, tambores, guitarras e pianos. Juntas, as faixas de Glory Hope Mountain formam uma narrativa poderosa e brutal sobre força, perseverança, amor e redenção. Separadas, são das mais bonitas peças musicais que eu já escutei.

PS um: o disco faz 10 anos em 2017 e o grupo anunciou uma edição comemorativa em vinil e uma agenda de shows em que tocará o álbum na íntegra. Ele ganhou uma capa especial pra essa celebração, e é tão bonita quanto a original. Dá pra saber mais aqui.

PS dois: recomendo ouvir o disco inteiro – aliás, sempre! – mas se tiver que escolher uma canção pra começar, vá de “Flood Pt. 1”.

PS três: ah, sobre um disco influenciar nosso caminho, né? Rolf canta sozinho todas as músicas, exceto a última, “Lullaby (Mountain)”, que ganha a voz de Casey Mecija, vocalista de outra ótima banda canadense, o Ohbijou. Sempre me causou surpresa e encantamento o efeito de uma voz feminina encerrando um disco comandado por uma voz masculina. Quando o Vitrola Sintética me mostrou as canções do então inédito “Sintético”, ainda fora de ordem e não finalizadas, sem querer “Inconsciente Inconsistente” – que Felipe Antunes divide com Barbara Eugênia – foi a última a tocar. Lembrei desse disco do Acorn, desse efeito que me causava e propus à banda que deixasse-a encerrando o disco. Pra minha surpresa, rolou.

*

Eduardo Lemos é jornalista e sócio da Navegar Comunicação e Cultura.

Diário de viagem: Vitrola Sintética no Grammy Latino

Em novembro, o Vitrola Sintética viajou aos Estados Unidos para participar do Grammy Latino, que acontece anualmente em Las Vegas. A travessia tinha diversos elementos de celebração. O primeiro era ser indicado na categoria “Melhor Canção Alternativa”, uma das mais prestigiadas pela academia e cuja importância para o Vitrola se dava, também, pelo fato de ser ele o único representante brasileiro naquela categoria. Depois, vinha a surpresa – e a alegria – de ver o grupo ser indicado pela segunda vez consecutiva, logo após concorrer, em 2015, nas categorias Melhor Artista Novo e Melhor Engenharia de Gravação – ambas, assim como a “Canção Alternativa”, chamadas de ‘categorias gerais’, em que concorrem artistas de todos os países da América Latina, e não só do Brasil.

Se parte da primeira aventura da banda pelas terras de Obama foi registrada pelo documentarista Felipe Ludovice, em filme a ser lançado este ano, a segunda ganhou um diário de viagem escrito por Eduardo Lemos, sócio da Navegar, que acompanhou Felipe Antunes, Rodrigo Fuji e Otávio Carvalho durante a viagem. O texto foi publicado com exclusividade pela revista Rolling Stone e traz um olhar íntimo sobre o dia a dia da banda, as relações deles com o luxuoso mundo da premiação e a percepção de um Estados Unidos abatido pela vitória de Donald Trump.

Leia um trecho e confira o texto completo abaixo:

O começo de qualquer viagem. Aquela primeira energia externa que a jornada assopra na nossa vida comum e que comunica que a partir dali iniciou-se uma nova ordem, que as coisas podem não ser como sempre são – ao menos temporariamente. Nós recebemos essa primeira energia de uma maneira curiosa e, como manda o figurino, inesperada. Estávamos os quatro no aeroporto de Guarulhos – Felipe Antunes, Otavio Carvalho, Rodrigo Fuji e Eduardo Lemos –, naquelas máquinas que automatizam o processo de check-in. Nosso voo sairia em duas horas para Chicago, onde faríamos uma escala de 12 horas, para depois seguirmos viagem para Las Vegas, onde todo ano acontece a premiação do Grammy Latino, no qual estávamos indicados na categoria Melhor Canção Alternativa. Mas, por alguma razão, a máquina que o Rodrigo usava parou de funcionar e ele resolveu pedir ajuda. O funcionário, chamado Antonio, logo resolveu a encrenca. E era pra ter sido só isso, se ele não tivesse observado a nossa longa escala em Chicago.

– Vocês não querem que eu veja se tem uma opção com menos tempo de espera? O aeroporto de Chicago fica longe da cidade e não tem lugar para guardar malas.

Surpresos com a possibilidade, aceitamos a sugestão. Ele voltou minutos depois com a informação.

– Consegui um voo para Nova York. Quatro horas de escala apenas. Melhor para vocês, não?

Sim, era melhor, sem dúvida, mas…. Uau, Nova York! Só o Felipe conhecia a cidade e sempre falava maravilhas de lá. Todos nós pensamos a mesma coisa: E se a gente passasse 12 horas em Nova York? Alguém superou o medo de abusar da boa vontade do Antonio e lhe fez uma contraproposta.

– E se a gente fizesse uma escala longa em Nova York?

Antonio gostou da ideia.

– Vou verificar. O aeroporto de NY não é longe da cidade e lá tem lugar para vocês guardarem as malas. Um minuto.

E foi assim, graças ao Antonio, que minutos depois a gente estava correndo alucinadamente pelos corredores do aeroporto de Guarulhos para pegar a tempo um voo para Nova York, que sairia uma hora mais cedo do que o de Chicago.

Continue lendo aqui.

O primeiro show totalmente produzido pela Navegar

São 11h11 e eu estou subindo as escadas que levam ao estúdio cardeal, 2100. Há quase três anos atrás, exatamente no dia dez de dezembro de 2013, eu encarei esses mesmos degraus sem suspeitar que ali começaria uma viagem que mudaria a minha vida. E a coisa que se deu foi a seguinte: naquele dia conheci Meno Del Picchia, que meses depois, num acaso completo, me apresentaria Otavio Carvalho. E dali foi um pulo curto para que eu dissesse “Prazer, Eduardo” para Felipe Antunes. Logo, tomamos nosso primeiro porre juntos – aquela coisa de “só a saideira e vamos embora”, e lá se foram muitíssimas saideiras. E logo começamos a trabalhar juntos no Vitrola Sintética, e logo ele me disse que ia lançar um disco solo e queria saber se eu topava ir junto. E é claro que eu fui!

São 13h15 e estou dentro da sala de estúdio onde Felipe Antunes faz o último ensaio antes do show de amanhã no Sesc Pompeia. O grande dia, o dia em que ele lança o disco, “Lâmina”. O dia em que teremos banda completa, todas as participações (Ná Ozzetti, Juliana Perdigão, Helio FlandersEnzo Banzo) e tal. Quem vive de música sabe o quanto é difícil você fazer o show do jeito que se sonha. Estou pensando nisso tudo e olhando Felipe cantar “Acomodar” e me vejo cantando junto, os pés tentando acompanhar o ritmo envolvente orientado pela bateria de Kezo Nogueira, e começo então a reparar naquela letra – mais uma vez: eu já reparei nessa letra milhões de vezes, mas recebo novamente a sua cura. Aí me levanto lentamente, o corpo se estica e encontra a posição possível para olhar a sala toda. Quero ver melhor a cena inteira: passo o olho naquele time de músicos cheios de talento e caráter, acho graça daquela mesma sala de estúdio de três anos atrás, com seus tons berrantes de azul e vermelho, e só então me dou conta que quem está sentando exatamente ao meu lado, dono do baixo desse disco e desse show, é Meno del Picchia. O círculo se fecha. A alma se expande. A vida é muito louca.

Amanhã (27/09) é o grande dia. Convido todos a se juntarem:
http://bit.ly/felipeantunespratadacasa

 

Eduardo Lemos