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um disco, outros mares: Glory Hope Mountain | The Acorn

[por Eduardo Lemos]

É curioso como alguns discos entram nas nossas vidas e, às vezes, mais interessante é como eles podem influenciar nosso caminho. No meu caso com “Glory Hope Mountain”, da banda canadense The Acorn, nem uma coisa ou outra soam muito emocionantes se entendidas apenas ao pé da letra. Senão, vejamos: este álbum lançado em 2007 me foi apresentado por um amigo, numa tarde sem sol do ano seguinte, quando ambos decidimos faltar ao estágio pra ficar na minha casa ouvindo música.

Naquelas frutíferas horas entre o meio dia e a entrada da noite, ele me mostrou, além do Acorn, o primeiro disco da Adele – até então, pra mim, uma grande desconhecida – e o primeiro do Ben Folds Five. Mas foi aquele conjunto de canções do quarteto de Otawa que me impressionou. Nos dias seguinte, tudo que fiz foi destrinchar o álbum, escutando-o várias vezes, mostrando pros amigos, filosofando sobre arranjos e letras e pesquisando tudo que era possível sobre a banda e o disco.

O que descobri de mais importante foi: o The Acorn era quase que sumariamente ignorado pela crítica musical do Canadá e de outros países – e segue sendo assim – e o mais surpreendente, Glory Hope Mountain era, na verdade, uma tradução poética para Glória Esperanza Montoya, nome da mãe do vocalista e principal compositor do grupo, Rolf Klausener’s, nascida em Honduras e obrigada, durante a sua juventude, a fugir do país para escapar de um ambiente cheio de abusos e violências. Ainda que a voz de Gloria apareça apenas uma vez durante todo o álbum – na dilacerante “Sister Margaret” -, todas as canções são baseadas em histórias que ela contou a Rolf. Aqui somos, portanto, ouvintes duas vezes – da música e de uma única narrativa.

Apesar de conceitual, Glory Hope Mountain é um disco de canções muito bem resolvidas. É incrível como o grupo conseguiu que a necessária limitação temática não os deixassem esquecer que, em primeiro lugar, está o labor de se fazer canções. O caso de “Oh!, Napoleon“, por exemplo, em que a belíssima melodia é preenchida por uma letra cortante, que claramente remete ao desejo de fuga por parte de Gloria – mas nós também não gostaríamos de fugir?

How’s it feel to disappear?
Like seriously, just disappear
And take a stab from papa’s spear
Getting drunk on rotten air

Ou em “Crooked Legs“, quando ela parece finalmente escapar.

I won’t feel the pull of the coming day
or the compromise of sleep
‘cause I’ve got a fire on the soles of my feet
I’m going as far as these crooked legs take me

E a banda faz isso de maneira notável, utilizando-se de violões, tambores, guitarras e pianos. Juntas, as faixas de Glory Hope Mountain formam uma narrativa poderosa e brutal sobre força, perseverança, amor e redenção. Separadas, são das mais bonitas peças musicais que eu já escutei.

PS um: o disco faz 10 anos em 2017 e o grupo anunciou uma edição comemorativa em vinil e uma agenda de shows em que tocará o álbum na íntegra. Ele ganhou uma capa especial pra essa celebração, e é tão bonita quanto a original. Dá pra saber mais aqui.

PS dois: recomendo ouvir o disco inteiro – aliás, sempre! – mas se tiver que escolher uma canção pra começar, vá de “Flood Pt. 1”.

PS três: ah, sobre um disco influenciar nosso caminho, né? Rolf canta sozinho todas as músicas, exceto a última, “Lullaby (Mountain)”, que ganha a voz de Casey Mecija, vocalista de outra ótima banda canadense, o Ohbijou. Sempre me causou surpresa e encantamento o efeito de uma voz feminina encerrando um disco comandado por uma voz masculina. Quando o Vitrola Sintética me mostrou as canções do então inédito “Sintético”, ainda fora de ordem e não finalizadas, sem querer “Inconsciente Inconsistente” – que Felipe Antunes divide com Barbara Eugênia – foi a última a tocar. Lembrei desse disco do Acorn, desse efeito que me causava e propus à banda que deixasse-a encerrando o disco. Pra minha surpresa, rolou.

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Eduardo Lemos é jornalista e sócio da Navegar Comunicação e Cultura.